Ivan Dias, é
um dos melhores futsalistas que joga(ra)m em Portugal. Actualmente de xadrez ao
peito, bate todos os records de longevidade. Homem de ideias rápidas, directas
e assumidas, deu-nos a conhecer o cidadão, atleta, chefe de família e muito
mais… numa entrevista longa mas profunda sem fugir ou temer as questões mais
difíceis. Vamos, então, entrar no mundo deste “Monstro Sagrado” do futsal
nacional numa entrevista longa, mas completamente merecida de ser lida.
O
CIDADÃO/ATLETA
Quem é o
cidadão Ivan Dias?
Nasci no Rio
de Janeiro, mais concretamente no Niterói e tenho quarenta e um anos (sorriu)
Quando
chegaste a Portugal ?
Vim para
Portugal, me noventa e seis.
E vieste
para jogar futsal ou por outra razões?
Vim
exclusivamente com atleta e para jogar futsal. Já tinha jogado na Liga de
Espanha depois de ter vindo do Brasil para Espanha.
Em Portugal,
vens para jogar no Miramar e em poucos mais clubes jogaste…
Sim em
Portugal, comecei pelo Miramar, depois de cerca de cinco/seis anos, o
Freixieiro, a Académica e actualmente o Boavista.
Lembras-te
quantos títulos conquistas-te?
No Miramar,
entre Taças e campeonatos, creio quatro ou cinco, depois uma Super-Taça no
Freixieiro e agora o título com o Boavista.
A tua
carreira na Selecção nacional. Quais os teus momentos mais importantes?
Estive em
três mundiais e quatro Europeus.
Tiveste
muitos anos a representar a selecção das quinas?
Sim vários
anos.
Alguma vez
foste o capitão de equipa?
Somente no
Europeu que se disputou em Gondomar.
PERIPÉCIAS
DA VIDA
Recordas-te
de uma reunião com determinado clube em que eu estive presente como Director
Geral acompanhando o Presidente, acontecida na Póvoa de Varzim, em que com
quase tudo decidido, alguém, exteriormente, colocou em causa a tua contratação
por na altura teres uma lesão no pé e já seres “velho”. O que tens a dizer onze
anos depois e ainda a jogar?
Claro que me
lembro… (hesitou e depois passou ao ataque). Primeiro, acho que o Presidente
foi pouco inteligente, porque para reunir com jogador e conversar alguma coisa,
não tem que estar com garrafa nem copo de uísque na mão.
Ponto número
dois, se quer contratar um jogador, já tem que ter previamente, conhecimento
daquilo o jogador vale e sobre o que pode dar ou não. Não pode basear-se se o
jogador está lesionado ou na idade que tem. Se o jogador vale, conversa com
ele, caso contrário não o contacta. Temos um exemplo recente do Cardinal.
Sobre a
lesão que teve?
Exacto. Todo
o mundo contestou ele ir para a selecção porque não estava a jogar, que vinha
de uma lesão. O certo, é que ele foi ao mundial e embora não tenha ido no
máximo da sua potência, foi ao mundial e dali saiu para uma grande equipa de
Espanha. Por isso que eu digo, esse facto de estar machucado, de estar tocado
isso, vai muito do jogador, vai muito do trabalho que tem, via muito do
treinador que tem, vai muito da conversa com os directores etc… isso é que é
importante.
Eu meti esta
questão para atingir outra. Como explicas que com a idade que tens continues a
jogar na primeira divisão numa nédia de trinta a trina e cinco minutos por
jogo?
Eu não penso
nisso. Faço o que me pedem enquanto me sentir capaz, depois disso, serei o
primeiro a dizer que chega. Para já, se jogo, é porque confiam em mim.
Mais um
episódio. É verdade que na semana seguinte ias a caminho de Lisboa para assinar
pelo Sporting e “desta volta” na auto-estrada para assinares pelo Freixieiro?
Sim é
verdade. Eu tinha quase o contrato assinado com o Sporting e dentro de um
acordo feito entre o meu presidente do Miramar e o Sporting. Que se baseava
numa dívida de alguns meses que o Miramar tinha comigo. Os dois presidentes,
concordaram que essa divida seria parcelada pelos meses do contrato que ia
fazer com o Sporting. Entretanto, aconteceu uma reunião entre o presidente do
Freixieiro e o presidente do Miramar, desconheço onde ocorreu a reunião, mas
sei que o presidente do Freixieiro assumiu que pagava a quantia toda de uma vez
se eu assinasse pelo Freixieiro. Assim voltei para trás e assinei pelo
Freixieiro.
Se não estou
enganado, nessa fase tu jogavas duas variantes de cinco em simultâneo?
Jogava
futebol de cinco e futebol de salão, ao mesmo tempo, é verdade. Fiz nestas
condições umas três épocas a jogar as duas modalidades.
O BOAVISTA
Há quantos
anos vieste para o Boavista e como se processou esse ingresso?
Vim há duas
épocas por convite do Buffon (Filipe Miranda) e porque conhecia muitos dos
jogadores, mas essencialmente por causa do Buffuon, nosso Director Desportivo.
Quando saí da Académica depois da subida de divisão tomei e ideia de acabar de
jogar de vez.
E aceitaste?
Depois de
muita conversa, resolvi vir para o Boavista pelo prazer de jogar. Hoje o que me
dá prazer é jogar. Já não jogo por causa
do dinheiro que ganhava…é mesmo assim (disse como a si próprio). É logico que
me davam algum para a gasolina, mas por dinheiro não é.
As coisas
mudaram. Anteriormente, eu vivia do futsal, hoje em dia eu vivo do meu trabalho
e jogo por prazer. Eu gosto de futsal e gosto de jogar, enquanto eu conseguir
jogar… quando eu vir e as pessoas também vêm, que não vale a pena apostar em
mim…
Mas tu
vieste para fazer a última época, mas isso não aconteceu. já te sentes um
jogador do Boavista?
Desde o
momento que eu vista a camisola, eu me sinto jogador do clube, ganhando,
recebendo ou não eu sou jogador do clube. Treino e jogo com a mesma motivação
de que quando eu comecei a jogar.
Quando se
iniciou a época pensavas estar a lutar para o sexto lugar da classificação?
Não pensava
estar a lutar pelo sexto, nem entrar os play-offs, isso é um facto, mas pensava
que íamos conseguir a manutenção, até porque o plantel tinha a base da equipa
do ano passado que ganhou o título e subiu.
Mas que
muita gente acusava de não possuírem potencial de primeira divisão…(interrompeu
com agressividade e disse)
Isso é
especulação! Quando se começa as pessoas vêm os nomes, mas muitas vezes, não
são os nomes que ganham os jogos. É a atitude, a entrega e o trabalho, isso é
que dá pontos.
Após o
Mundial, no recomeço do campeonato e ainda em quinto lugar, o Boavista perdeu
uns jogos. Foi um levantar de pé, ou o considerar que a obrigação estava feita?
Não foi nem
levantar o pé, nem perder o ritmo, o que aconteceu nos três jogos que perdemos
foram situações de jogo. Vejamos. Foi com o Fundão que é uma equipa das mais
fortes da primeira divisão e sempre dentro dos play-offs. Perdemos com o Póvoa,
num jogo que não joguei por castigo e tinha outro colega na bancada comigo que
não recordo quem, que se machucou nos primeiros cinco minutos, depois o Alex se
machucou também. Foram muitas as condicionantes que nos fizeram perder esse
jogo. Perdemos com o Rio Ave, que é uma equipa composta com jogadores muito experientes
e de muita qualidade e alguns são mesmo profissionais, realizando treinos
bi-diários e nós fizemos o nosso trabalho. Lutamos, trabalhamos e demos a nossa
réplica que é o lema do Boavista, que é lutar para chegar lá.
Falando de
treinos. O horário dos vossos treinos não ajuda. Que achas sobre isso?
É muito duro
andar meses a treinar neste horário para quem trabalha e para os miúdos que
estudam. Dormir quatro/cinco horas por dia, durante meses é muito cansativo.
Dentro do
campo, sendo um jogador de referência, ajudas a orientar os teus colegas ou
apenas jogas que essa missão é de outras pessoas?
Dentro do
campo não dá para ajudar muito e falar com os colegas, isso é possível nos
treinos. Nos jogos, eu tento fazer o meu trabalho bem e depois combater as
falhas dos outros, para podermos ser um só, para quando eu falhar eles estarem
lá também. Lógico que há sempre um comentário, não só com os jovens mas também
com os mais velhos… você podia ter feito isto, em vez daquilo, etc… isso é um
comentário natural que acontece entre todos no decorrer de um jogo. Ou se pode
melhorar, incentivar e corrigir, é nos treinos.
Na próxima
época vais continuar?
Já tive uma
conversa (riu-se) com o presidente um bocado… um bocado (hesitou e depois de um
momento de reflexão, entrou algo duro) eu disse-lhes que têm que me valorizar
pelo que eu faço sem olhar à minha idade… ponto número um. Depois têm que
valorizar os jogadores que jogam no Boavista, porque o Boavista tem muitos
jovens no plantel mas há quem dê muito valor a outros nomes que são mais
sonantes, o que não é justo.
Têm que
olhar é para os que estão aqui há dois três anos e mostrando que têm valor para
estar aqui. Esses, é que têm que ser valorizados em primeiro de tudo. Primeiro
os que cá estão e só depois os outros, é claro que. se os que chegarem forem
jogadores de valor, então, muito bem devem ser igualmente valorizados, se for
um jogador que tem valor igual aos outros que cá estão não pode ser ressarcido mais que os que estão aqui, já com provas
dadas.
Tens que
reconhecer, que ainda és uma referência no futsal nacional. O Boavista sem o
Ivan não é tão temido como com o Ivan?
Eu não tenho
que ter a consciência disso, as pessoas é que o dizem. Eu faço o meu trabalho,
se faço falta à equipa ou não, não sei e isso não é comigo.
Mas voltando
atrás. Vais ou não continuar?
Em princípio
devo continuar… em princípio.
Consideras
cansativo continuar a treinar depois de tantos anos?
O que me
cansa realmente e me leva a dizer que não quero continuar na primeira divisão,
é o facto de ter de ir a Lisboa de quinze em quinze dias, as viagens é que me
cansam. É cansativo, para quem trabalha, para quem se levanta cedo todos os
dias, eu durmo quatro horas por dia porque o treino não é compatível para quem
trabalha. Quando somos jovens a recuperação é mais fácil, mas agora não é
assim.
O José
Manuel Leite – presidente do Miramar – dizia que tu mesmo em jovem entravas no
carro e dormias, chegavas ao pavilhão, metias-te debaixo do chuveiro e estavas
pronot para o jogo. Por isso, nunca gostaste de viagens?
Muitas
pessoas dizem que dormir antes do jogo faz mal. Eu sempre contrariei isso tudo.
Almoçávamos, eles iam dar uma caminhada e eu deitava-me e dormia e chegava ao
jogo e dava rendimento. Isso é de cada um.
A FAMÍLIA
Sendo um
português nascido no Rio de Janeiro, constituis-te família no Porto com esposa
tripeira (mesma tripeira, digo eu). Terminado o futsal o que vai acontecer, o
Ivan leva a família para o Brasil, ou pelo contrário a família obriga-o a ficar
para sempre no Porto?
Nem penso
nisso, nem penso assim.
Então como
pensas?
Eu vim para
Portugal para ficar seis meses e já estou cá há dezoito anos. Não digo que não
tenho o sonho de voltar à minha terra… tenho! Mas pondero muito, vontade eu tenho.
Mas minha mulher tem muito mais vontade de viver no Brasil que eu! Ela tem uma doença crónica a artrite
reumatóide, para ela o tempo aqui é muito mau. As vezes que estivemos no Brasil
e quando casamos que foi no Brasil e estivemos lá três meses, enquanto ela aqui
toma medicamentos todos os dias lá, durante esse período, tomou um medicamento.
O FUTSAL
(ORIGENS E FUTURO)
O futsal
português, é na minha opinião um limão espremido, que chega a uma fase e fica
por ali. O que falta para dar o próximo salto?
O que falta
é o que tinha há seis/sete/oito/nove/dez anos, que era Portugal com saúde
financeira. O país com saúde financeira originava que ter clubes como a
Fundação, o Instituto, o Freixieiro, o Miramar, depois entraram o Rio Ave e
outros. Clubes com condições e com trabalho realizado.
Muitas
pessoas, por vezes contestam, mas nesse período ao começar uma época,
perguntava-se quem vai ser o campeão? O Freixieiro, a Fundação, o Miramar, o
Sporting? Agora todos sabemos que ao iniciar o campeonato a questão é saber
quem o Benfica ou o Sporting?
Mas é tudo
por causa da crise?
Não só. De
novo as pessoas vão contestar, mas há quinze anos quando cheguei as equipas só
podiam ter dois estrangeiros. O que acontecia? Os clubes contratavam esses dois
estrangeiros mas investiam claramente na qualidade deles, para fazerem a
diferença. Com isso, os jogos eram equilibrados porque todos tinham dois
estrangeiros com muita qualidade que ajuda muito num plantel e obrigava a um
maior empenhamento de jogadores portugueses com ambições de chegar longe.
As coisas
alteraram-se?
A nível de
clubes é muito bom ser campeão, mesmo com esta abaixamento de qualidade, mas eu
estive na selecção e era frustrante ficar sempre no… quase! Íamos às meias
finais dos mundiais e europeus e pensávamos, vamos pegar a Itália, ou Rússia ou
a Espanha e já não íamos com a mesma confiança que quando jogávamos com a
Croácia. Mas isso, digam o que disserem, porque o nosso campeonato é muito
desequilibrado, como já dei exemplo antes, tudo se resume ao Sporting e Benfica
de quem nessa altura, nem se falava.
Estiveste a
jogar naquilo que todos conhecem por uma escola de futsal, que fez inúmeros
jogadores, Ricardinho, André Lima, Toni, Cóco, Pedro Ferreira só para falar nos
mais jovens. Consideras o Miramar essa escola?
Sim o
Miramar foi realmente uma escola de futsal. E porquê? Porque na época áurea o
Miramar tinha poder financeiro e dava condições para todos e não só para os
seniores. Desde as escolinhas passando pelo feminino e tendo duas equipas de
seniores e equipa satélite. Quando se têm condições as coisas acontecem
naturalmente e as pessoas querem estar lá, querem participar, querem estar
naquele clube. Tínhamos o Márcio, o Toti, o Gil, todos jogadores referenciados,
tinha um treinador referenciado, que era o Beto – tinha também o senhor Jorge -
mas tinha o Beto que é um treinador irreverente, diferente de quase todos que
já tive, as pessoas acabavam por ver, gostar e assim fazíamos coisas
diferentes. Hoje em dia não há isso.
Outra
mentalidade?
Sim. Hoje em
dia o treinador de seniores não quer saber da formação e diz eu sou dos
seniores e acabou. Eu assisti a uma palestra muito interessante antes de um
jogo com o Brasil, dada pelo Pêcê que era o seleccionador da selecção
brasileira, que agora já não é e que foi campeão mundial. Que nos afirmou, que
antes de tomar conta da selecção do Brasil depois de três ou quatro convites
que recusou, resolveu vir dar uma olhada nos outros países mais evoluídos como
por exemplo, na Espanha que ganhava
sempre e disse, que “no meu clube implementei um projecto de jogo, desde os
fraldinha (aqui em Portugal nem isso tem, que são crianças a começar a
competir, com cinco anos) até aos seniores, com acompanhamento, ou seja o
treinador que pega nas escolinhas vai seguindo a sua equipa até aos seniores.
Segue com a equipa na subida de escalão” e acrescentou ele “ eu trabalho a
formação não para terem algo remunerável, mas trabalho-a para serem seniores
com ambições e condições de jogar em qualquer clube”.
Isso é muito
importante?
Claro! Como
acontece aqui, o jovem chega a sénior e diz eu vou para os seniores e sei que
não vou jogar. Mas isto acontece tanto num grande clube como num pequeno clube
de amadores. Enquanto no Brasil não há isso, um miúdo chega aos seniores e diz
eu quero jogar e eu vou jogar.
No meu caso,
eu cheguei aos seniores e disse eu quero jogar. A questão passou a ser o que
tenho que fazer para jogar? Foram as primeiras palavras que disse ao meu
treinador, eu sei que joga “a” “b” e “c”, mas o que é que eu tenho que fazer
para jogar? Primeiro treinar mais que eles para superar fisicamente a qualidade
deles.
Mas isso é
personalidade tua..
Mas incutida
também pelos treinadores, porque eles no Brasil dão a oportunidade a todos e
depois os jogadores é que mostram o seu valor e ambição, enquanto em Portugal o
jovem tem que trabalhar para jogar e o que diz, ao que fala o treinador? Vou
jogar para o meu clube de bairro, lá jogo sempre! Não têm ambições, porque não
há base de trabalho de formação, mas tudo depende de cada jogador, do seu
querer do seu objectivo, tem muito jogador que estão por estar, sem qualquer
objectivo.
Em Portugal
os miúdos têm muito essa mentalidade, se não jogo aqui… jogo ali. Mas nunca diz
eu quero jogar aqui! E para jogar aqui o que tenho que fazer?
TREINADOR
Para
terminar, quando acabar o Ivan jogador, teremos o Ivan treinador?
Eu nem penso
nisso, porque eu já tenho um desgaste muito grande a nível familiar, eu vivo do
futsal desde os dezanove anos de idade. Eu estou casado há dezassete anos e há
dezassete anos a minha mulher me atura a ir para o treino. A ir para Lisboa, a
não estar no aniversário, a não estar no baptizado, a naos estar nisso, a não
naquilo e agora trabalhando e treinando só tenho o domingo para estar com a
minha família e só tenho esse dia para estar sentado com a minha família.
Vais pelo
menos fazer férias?
Não digo que
não gostaria ou que não vai ser , mas eu já lhes roubei muito, porque me dei
muito ao futsal.
Entrevista
de
Manuel Pina
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