domingo, 14 de setembro de 2014

VITOR NASCIMENTO, NA HORA DO ADEUS DO TREINADOR


Na sabedoria popular, existem verdades incontornáveis. Diz-se – entre outras – que não existem pessoas insubstituíveis, dizemos, nós, que sendo verdade, existem pessoas muito difícil de serem substituídas. Na hora da sua despedida de técnico de Andebol, Vítor Nascimento, ficará nesse  segundo campo e, para quem o conhece e ao seu trabalho (como nós) podemos afirmar que vai contrariar o ditado popular.

O Amadoras, realizou uma extensa entrevista com o Vitor Nascimento no dia do reconhecimento público da sua partida de treinador do Boavista. Pode parecer grande, mas nunca se aproximará de quanto este “Monstro de Carinho e ensinamento” dedicado aos mais jovens mereceria. Nela tentaremos descobrir o homem que marcou o andebol jovem axadrezado,  durante mais de dezena e meia de anos.

O HOMEM
Amadoras - Comecemos por identificar o cidadão Vitor Nascimento.  Nascido onde? Idade?
Vitor Nascimento - Nasci a 6 de Setembro de 1971, na Freguesia de Massarelos-Porto, na Rua mais bonita e com melhores vistas da Cidade do Porto (Rua de Entre-Quintas) onde se localiza a Casa Tait, o Museu Romântico do Vinho do Porto e inicia a ecadaria de um dos percursos do romântico e uma vista do Douro de tirar a respiração (que eu conheço muito bem, acrescenta o editor)

 Qual a sua profissão?
Trabalho na Universidade do Porto, desde o início deste ano lectivo no Departamento de Integração Académica dos Serviços de Acção Social, mas desde 1992 até 2013 trabalhei no Gabinete de Desporto da Universidade do Porto

Como nasceu o amor pelo andebol?
Iniciei no Andebol pela “mão” de um amigo de Infância, antigo Atleta do Boavista e Internacional, de seu nome Paulo Pinhal, que me convidou a mim e outros amigos (vizinhos e da escola) a experimentar a prática do Andebol no velhinho e saudoso CDUP.
Foi logo amor desde o 1º dia, pelos novos Amigos, pelo Treinador, no fundo porque encontrei uma excelente família.

Essa vantagem de se apresentar sempre frio e calmo mesmo nos momentos de pressão nasceu consigo, ou foi cultivada com o andar dos anos?
Eu não me considero frio e não sou assim tão calmo como pensa. Naturalmente tenho a minha forma de estar, na qual me considero uma pessoa ponderada e respeitadora o que dá a entender que a pressão me passa ao lado e também porque o Andebol me dá um prazer imenso, bem como a partilha e vivência com todos os seus agentes.
Naturalmente que a experiência nos dá mais serenidade e o facto de sempre ter sido um treinador de formação, em que estamos constantemente a transmitir mensagens para os jovens atletas, faz com que tenhamos de filtrar muitos dos nossos impulsos, para que possamos ser o próprio exemplo.

O ANDEBOLISTA
Qual foi a sua carreira como jogador de andebol, quais os clubes que representou?
Como jogador representei o CDUP, Estrela e Vigorosa e Académico do Porto.

Algum título importante conquistado?
Alguns Títulos de Campeão Regional e uma Série de Taças que não consigo neste momento enumerar nem discriminar.

Qual a posição que ocupava em campo?
Inicialmente, motivado pelo meu grande Mentor e Treinador, Prof. Mário Santos, era Ponta Direita, apesar de ser destro, mas, penso que tinha uma excelente basculação, poder de salto e um fascínio por jogar numa posição de tão difícil nexecução para quem jogava com a mão direita.
Posteriormente, com o amadurecimento e com o facto de os treinadores acharem que tinha boas apetências para o posto, tornei-me Pivot.

O Vitor treinador, como analisa o Vítor atleta/jogador?
Tive um Treinador, o Prof. Paulo Sá, que uma vez me definiu: “ Algo Limitado, mas muito Dedicado e Esforçado e sempre necessário”…
Na verdade concordo com ele, comecei a jogar com 17 anos, já no escalão de juniores, com 18 anos, já jogava pelos juniores e pelos seniores…
Como Treinador sei que é uma idade muito avançada para começar, mas na verdade, não foi isso que me impediu de treinar, treinar e treinar para poder evoluir e poder jogar…
Não fui o melhor jogador, mas era aquele que mais vontade tinha de provar e fazer por merecer.
Muitas vezes treinei sozinho a rematar da ponta, a saltar por cima de uma barreira de atletismo e com a baliza torta a encurtar o angulo para dificultar a obtenção do golo.

Como nasceu o gosto para treinar?
Comecei a ser Treinador por necessidade, ou seja, na altura existia um escalão que não tinha treinador e como não havia recursos para contratar alguém e talvez porque achassem que eu tinha algum jeito, propuseram-me para tomar conta desses jovens…
Começou aí uma aventura que termina agora e que durou 25 anos.

Sempre treinou jovens de formação ou já treinou adultos?
Sempre treinei formação, Infantis, Iniciados e Juvenis.
Houve apenas uma época em que treinei uma equipa senior, mas, foi mais um ajudar o Clube amigo que necessitava de uma pessoa credenciada para o efeito.


Esta decisão de abandonar a actividade ou de pelo menos sair do Boavista, foi fruto de uma circunstância pontual ou de uma ideia amadurecida?
Esta decisão é muito amadurecida.
Chegou a hora de pensar na minha familia, poder proporcionar-lhes tempo de qualidade, de poder também apostar na minha formação académica, tudo isto enquanto tenho idade em que ainda me posso “divertir”
Pelo que esta decisão é muito difícil de tomar, mas é necessária para mim e a minha familia.
Pelo que não é sair do Boavista, mas sim terminar a carreira de Treinador…

 Qual a razão dessa mudança de rumo, que ninguém esperava?
As Razões indiquei-as na resposta anterior.
De certa forma as pessoas já sabiam desta decisão, pois   eu próprio para me mentalizar fui dizendo do meio da época para cá, no entanto sei que a maioria das pessoas não queria acreditar que era mesmo uma decisão irreversível. (o Portas era irrevogável).

Há quantos anos veste a camisola do Boavista?
Atingi a maioridade no Boavista, 18 ANOS de Xadrez ao Peito

Depois de tantos anos é fácil sair?
É muito difícil… Já estou cheio de saudades, cada semana que passa até ao fim da época é mais uma estação cada vez mais próxima da linha de chegada…
Nem quero imaginar o que irei sentir quando tudo acabar.

O que o leva a deixar o clube de seu coração. A falta de condições para treinar, outros objectivos mais elevados, ou ainda outra qualquer razão?
O que me leva a deixar o Clube são decisões familiares e de formação e valorização pessoal…
Neste Clube nunca me queixei de nada mesmo tendo razões para tal, sempre arregacei as mangas e sempre dei o melhor de mim, sem exigir nada a quem quer que fosse.
Para mim bastava ter Atletas, Bolas e local para treinar que as condições estavam todas reunidas.

Na estrutura técnica do andebol, o Vitor é visto como o primeiro pilar da formação, formando em seu redor uma equipa de seguidores nos seus atletas, meio comandante, meio pai, meio exemplo. Não teme que os seus pupilos fiquem órfãos, com a sua saída?
Nem penso nisso sequer…
Tenho a certeza e desejo que quem me substituir tenha o mesmo e mais sucesso que eu, pois é sinal que os nossos “meninos”, que são quem realmente importa, continuam a ter pessoas competentes e que se importam com eles.
Os miúdos adaptam-se facilmente a tudo, pelo que naturalmente com o passar do tempo não sentirão a minha falta, tenho certeza que daqui por 5 anos se lembrarão de muitas coisas que lhes transmiti, mas que neste momento e pela idade que têm não conseguem ainda assimilar toda a informação dada.
Espero apenas que no futuro se lembrem que sempre fui uma pessoa correcta, justa e dedicada que sempre os tratou e respeitou, tendo por base estes princípios e que consigam aplicar todos os valores que lhes transmiti, quer como atletas, quer como homens.

Porque nunca apostou em treinar equipas mais adultas dentro do Boavista?
Fui convidado por diversas vezes, mas sempre recusei…
Não era o meu Campeonato…
Prefiro promover os jovens em Adultos…

Nas suas equipas, nunca se ouvem os seus jogadores queixarem que perderam por culpa dos árbitros, como se ouve nas outras. Simples acaso ou algo mais que isso?
Nas minhas equipas os atletas sabem que há Autoridade, Responsabilidade e Liberdade, todos sabem o seu papel, todos sabem a necessidade de interrelacionarem estes 3 princípios para que possam respeitar e ser respeitados.
Não posso pensar em formar só um jogador de andebol, tenho também o dever de o ajudar a educar como homem, logo só é desporto se houver correcção e elevação.
E eu disso não prescindo…
Quando perco, sempre digo que foi por ter marcado menos golos e ter tido mais falhas técnicas que o adversário… ou tão simplesmente por reconhecer que o adversário possa ter sido melhor que nós…

Sabemos que o Boavista vai entrar de novo na primeira Liga de futebol. Há quem considere que isso será bom para as amadoras, outros consideram o contrário. E você?
Honestamente acho que vai ser indiferente para o Andebol e para as Modalidades Amadoras.
Em 18 anos do Boavista, estive no melhor e no pior do Clube, mas, na verdade há já muitos anos que as modalidades desportivas se aguentam sem ou com um muito reduzido apoio da Direcção.
Vou esperar para ver, mas, gostaria que houvesse um forte apoio e houvesse algum reconhecimento das Amadoras, até pelo lutar e superar que tiveram no “Coma induzido” em que o Clube esteve nestes últimos anos.

Nos últimos anos foram exigidos sacrifícios enormes aos colaboradores das amadoras. Pela parte que lhe toca, acha que valeu a pena tudo que deu ao clube?
Quem pode dizer se os meus sacrifícios valeram a pena, são os meus Directores.
Por mim, só posso dizer que fiz de tudo para manter o Clube, foi Dirigente, Treinador, Psicólogo, Motorista, etc…
Fiz e dei tudo o que tinha pelo Andebol do nosso Clube e aí posso dizer-lhe uma coisa com toda a certeza: “Não abandonei nem deixei morrer o nosso Andebol”, perante tudo isto e olhando para a realidade desportiva do Andebol agora, posso dizer que tudo porque lutei, valeu a pena.

Falemos no geral do andebol axadrezado.
O que há de positivo?
De Positivo temos o factor humano, social e desportivo, somos uma autêntica família, quase todos os atletas são da nossa formação.
Cada vez estamos mais consolidados, cada vez mais fortes, cada vez mais competitivos.
Penso que este ano, foi um ano dourado, um ano em que todos os escalões atingiram e ultrapassaram com distinção os objectivos propostos no início da época desportiva.
Vejo também o aumento do número de jovens que temos a praticar Andebolno nosso Clube.
E encaro também como positivo o facto de o Andebol do Boavista já ser desejado e procurado por outros atletas.
E o que acha negativo?
De negativo, saliento as condições estruturais que temos, mais concretamente a falta de locais e horários de treino condignos para todos os escalões e alheamento e sensibilidade por parte da Direcção a este grande problema.
Nem quero imaginar o que atingiríamos caso tivéssemos um pavilhão com medidas regulamentares para treinos regulares…

Sentiu-se sempre um homem compreendido dentro do clube, ou muitas vezes não continuou um assunto porque… não valia a pena?
Sempre fui muito bem tratado por todas as pessoas.
Sempre tive relações cordiais com todas as pessoas, pois sempre fui correcto e respeitador nas opiniões e na aceitação.
A minha forma de estar no desporto é prática, directa e correcta, pelo que como nunca recebi nenhum reparo sobre a minha postura, só posso considerar que sempre fui compreendido.

Todos estes anos de xadrez. Na hora da despedida o que diz o Vitor… valeu a pena?
Nesta hora de despedida, solto algumas lágrimas
É a decisão mais difícil da minha vida
È sentir que saio com a certeza que a minha “missão” foi totalmente cumprida…
É Saber que fui sempre igual a mim próprio
È Sentir que fui bem estimado por todos os Agentes do Andebol
È Tão gratificante saber que consegui incutir o gosto pela modalidade a tantas centenas de jovens
É Estar de bem comigo próprio por saber que sempre dei o melhor de mim, sempre de forma altruísta
É relembrar que sempre tive a humildade de saber ouvir para saber estar
È tanta coisa…
Sentir que sempre fui justo e correcto para com todos
É saber que fui mais que um treinador, que fui um amigo, um tio e pai dos atletas.
É saber que incuti nos próprios pais dos atletas o espirito do Andebol do Boavista
Sou uma pessoa grata e se mereço algum reconhecimento, muito a este Clube o devo.
Mas essencialmente, valeu a Pena, por TUDO o que consegui e TODOS  que conheci e que o Andebol me proporcionou …
Serei sempre Boavisteiro e estarei sempre a apoiar o Andebol.

Nota: Do editor, depois de palavras tão sensibilizantes a que não conseguimos alheios, terminamos esta entrevista com um nota, que ameniza a tristeza da sua partida.
Vitor Nascimento, vai continuar ao serviço do Boavista, com supervisor do sector de formação e ainda que não seja já oficial... Como sempre o Amadoras sabe e nunca... se engana. Hoje despedimo-nos do treinador... o amigo, continua connosco!

Entrevista


de
Manuel Pina